Tapacurá 2: Recife de novo na fita
Tapacurá não estourou, a enchente não veio, ninguém teve que fugir para as montanhas
Este é um fim de semana para o recifense relaxar por completo. Se não der praia, se o Sol permanecer escondido, é para ir até uma videolocadora e apanhar um filme catástrofe. O dia depois de amanhã, Impacto final, Os últimos dias de Pompeia, 2012. É para o recifense se reconhecer e rir de si mesmo. Desopilar. Passou. Tapacurá não estourou, a enchente não veio, ninguém teve que fugir para as montanhas. De novo, balela.
E o recifense deu credibilidade. Não é para se envergonhar, não é para se revoltar. Nada de ficar furioso consigo. Só guarde na lembrança: eu vivi Tapacurá 2, fui ator na produção, não ganhei nenhum centavo, mas fiz história.
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Tapacurá 2.0 - a força de um boato
Agora é contar para os amigos, para os netos, beber, rir e perguntar ao colega: Onde você estava quando Tapacurá “estourou” pela segunda vez? Passaram-se 36 anos e caiu-se de novo na conversa. É para ser diversão. Sem neuras.
Ninguém é culpado por se assustar, por entrar em pânico, surtar, tentar salvar a própria vida, correr para ajudar os seus, não querer passar a noite na rua, molhado, no frio.
O recifense viu-se no meio do disse me disse, das informações desencontradas
O recifense viu-se no meio do disse me disse, das informações desencontradas, de não saber o que é verdade e o que é mentira, do cada um indo para um lado, sem querer parar e falar direito. Que o recifense aloprou, aloprou. Era o contágio. Entrar na onda coletiva, feito no bloco de Carnaval, feito na torcida de futebol. O um se torna o todo, integra a massa, age como ela.
O recifense estava apavorado diante de algo que não podia conter. Foi mais um de carne, osso e alma tensa. E correu. Correu como correriam os romanos, os londrinos, os moscovitas, os parisienses, os nova-iorquinos.
Não dava para ser muito racional. Se houve alguns sensatos (e houve), parabéns para eles, mas não se pode acusar quem temeu. Não se pode cobrar reflexões de quem é impulsionado pelo assombro.
Na lacuna de informações precisas, no vórtice do furacão, bombardeado por mensagens apocalípticas daqui e de acolá,o recifense alucinou. Tinha a mídia que passou a semana inteira mostrando a realidade de um mundo se acabando em água. Tinha o governo calado sem logo de pronto dizer “Calma, meu povo. É tudo falso”. Tinha a internet, cada qual no seu twitter, a divulgar o que queria, sem certeza alguma. Tinham as lembranças dos dias passados na cidade parada, cheia de rios recém-formados, carros boiando, árvores caindo, e o recifense preso no meio da rua, tendo de chegar em casa, com água de esgoto pelos joelhos, desafiando a leptospirose. Tinha o boca a boca ainda mais inquietante.
O recifense estava na balbúrdia. Boa parte, pelo menos. Quem estava no conforto do lar, das informações privilegiadas, não pode agora desdenhar de quem se viu no inferno e embarcou. Se estivesse lá, sem saber de nada concreto, no corre-corre, no cada um por si, também entraria no salve-se quem puder.
Pensam só em julgar, em posar de esclarecidos, em chamar de burros os outros, sem compreender que foi o susto. Há uma semana vivia-se o clima do vai piorar, do vem aguaceiro maior, mais dificuldades, mais perdas e danos.
É pura empáfia. Se estivessem no caldeirão, sabendo que aulas foram canceladas, lojas fechando, shopping alagando, no mínimo, desconfiariam. Na dúvida, iriam direto para casa, na pressa, como qualquer um.
Era a hora de pensar em si, nos filhos, nos pais. Boato é verdade até dizerem que é só boato. Boato de catástrofe é mais grave. Até se acalmar o mundo, até o raciocínio religar, a adrenalina passar, o medo apaziguar, leva tempo.
Não se convence fácil de que é ficção, que está tudo bem. E a verdade não veio de imediato. Veio depois, muito depois, quando o vírus estava se alastrando rápido, sem controle.
Era o medo. O que cega, que turva a mente, que faz o ser humano sair em disparada, com lógica pouca. Não há sábios ou ignorantes no perigo. Apenas gente. Quem já viu filme catástrofe sabe. É aquilo mesmo. Só instinto primitivo, autopreservação, proteção às crias, sai da frente, eu primeiro.
O recifense viu antes São Paulo alagar e travar por completo, pessoas perdendo tudo, viu a região serrana do Rio de Janeiro desabar, ser riscada do mapa. Mortes, desaparecimentos e desespero.
A apreensão andava do lado. Para o medo se instaurar bastava pouco. Aí alguém riscou o fósforo. Não teve mais como conter. Aí para tranquilizar dá trabalho. Entra-se na onda do “Calma, nada!”, do acreditar em nada, do governo mente, a respiração ofega, as pernas apressam, as veias entopem de adrenalina.
O recifense talvez não tenha nem temido uma calamidade genocida, mas pensou na água chegando, destruindo tudo, ilhando, desabrigando, criando refugiados, aprisionando no tráfego, acabando com os móveis, carregando tudo.
Foi um boato nada palpável. O recifense caiu nele. Mais de 30 anos depois, recaiu nele. Extrapolou. Cedeu aos exageros, à correnteza. Mas o dia seguinte e o dia depois de amanhã têm tudo para ser melhores. Passou. Passe a curtir. Se os nova-iorquinos podem correr de Godzilla, de King Kong, de qualquer asteroide que venha em direção à Terra, o recifense pode sim correr de Tapacurá.
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